Repete-se o caminho para o nazismo e fascismo

Este blog tem compromisso com a garantia dos direitos democráticos ameaçados. É o motivo para a divulgação que faço aqui do livro com memórias de família colhidas de um tempo que hoje parece se repetir | 

Pensando no presente escrevi um livro sobre o passado. Conto a história de meus pais e avós que viveram e sofreram as consequências da ascensão ao poder do fascismo, nazismo e de suas expansões pela Europa nas primeiras décadas do século passado. Os acontecimentos de agora, não só os que vivemos no país do golpe anunciado por Bolsonaro, foram meu ponto de partida para publicar Os Indesejados – uma história de refugiados no tempo do nazismo.

As circunstâncias do presente não são iguais às que relato, mas há semelhanças. Fascismo e nazismo foram gerados em situações que lembram nossos dias, ou seja, cresceram e se estabeleceram em meio à inflação nos anos 1920, seguida tempos depois da recessão mundial com quebra de centenas de bancos, desemprego, insegurança e medo nos anos 1930. Os dois regimes brotaram na devastação deixada pela guerra de 1914 a 1918; na epidemia da gripe espanhola; após o colapso dos impérios de kaisers e czares e do surgimento de uma nova ordem mundial. A crise atingiu a todos: vencidos e vencedores. Foi a antessala da Segunda Guerra Mundial e seus mais de 60 milhões de mortos.

Na atualidade assistimos a nova guerra no mesmo cenário do leste europeu em que se registraram entre 1941 e 1944 cruéis combates da maior matança da história humana. A guerra de agora na Ucrânia, como as duas mundiais anteriores, ressurge nessa região que não se livra há séculos da violência, seguidas partilhas, ocupações e anexações de países, trocas de governos e regimes políticos, além de perseguições a minorias, discriminações étnicas e religiosas. Foi precedida pela Covid em 2019, com uma devastação equiparável à da gripe espanhola que se alastrou no fim do primeiro conflito mundial. A crise econômica resultante da nova guerra somada ao vírus da epidemia desestruturou a dinâmica da globalização. Nos encaminha para a recessão. Provoca o empobrecimento de famílias. Alastra miséria e fome. Traz também maus presságios, porque (como no colapso dos impérios em 1917 e 1918) coincide com a alteração na geopolítica internacional, marcada pelo fim da hegemonia dos Estados Unidos, a consolidação da China como potência, a fragilidade da velha Europa na nova ordem e o inconformismo da Rússia com uma presença menor nessa cena mundial.

Há mais um fantasma que emerge do passado nas coincidências com nossos dias: partidos e movimentos de extrema direita proliferam e ganham força até em democracias estabelecidas. É marcante a maneira como os autocratas em evidência na atualidade chegam ou tentam se manter no poder. Faz lembrar acontecimentos que levaram Mussolini de primeiro-ministro italiano a Duce e também Hitler de convidado à chefia do governo alemão a Führer. O desfecho dessas histórias, vale sempre lembrar, só deixou destruição e muito sofrimento.

Óbvio que a repetição de uma tragédia idêntica é improvável. Porém, com diferentes graus de hipocrisia e brutalidade, o processo da ascensão de figuras sinistras ao poder permanece hoje semelhante ao que foi no passado. São eleitas pelo voto popular de acordo com o que estabelecem as constituições dos respectivos países. Depois vão alterando as regras do jogo mediante artimanhas, fraudes, mentiras, balbúrdia de todo tipo, além de ações criminosas, insufladas por provocadores com promoção de baderna e até atentados atribuídos sempre aos adversários políticos. As instituições fragilizadas pelas ameaças, medo e corrupção continuam funcionando como se tudo estivesse normal. A farsa de legalidade conta com a conivência do establishment. É o mesmo roteiro que nos levou à selvageria no Brasil. Foi legitimado na ascensão do “Mito” ao poder pelo voto. Resultou em fome, genocídio, desesperança, ignorância mitificada e o crime organizado correndo solto.

A deterioração da civilidade começou dissimulada em ações legítimas e legais. Foi uma sucessão de retrocessos iniciados há nove anos nas manifestações de rua (sem reivindicação definida) “contra tudo o que aí está” e a subsequente derrubada do governo Dilma. Foi o princípio do caminho para barbaridades que chegam agora às lives e vociferações ameaçadoras de Bolsonaro. Nosso candidato a ditador antecipa em tosca metáfora futebolística que, “sem sair das quatro linhas”, não reconhecerá um futuro resultado adverso nas urnas eletrônicas – as mesmas em que foi várias vezes eleito.

Na mentira de fraude eleitoral, Bolsonaro pretende continuar com sua turma miliciana/militar aboletado onde está, caso os votos em outubro não lhe garantam a permanência no cargo. Pelas ameaças explícitas às garantias democráticas, só resta uma dúvida: saber se conseguirá concretizar o anunciado golpe depois ou até antes da eleição presidencial. Em qualquer dos casos dirá que age em nome das pessoas de bem e a favor do “nosso Brasil”. Ou melhor, dará o golpe convocado, segundo ele, por vontade divina para salvar a “Pátria amada Brasil” – slogan de seu cinismo ufanista com verba pública.

Tomara que não dê certo. Seria um déjà vu de tragédias da história que só os acometidos de uma boçalidade doentia querem rever.